terça-feira, 18 de novembro de 2008

Contribuição Social do Produtor Rural Pessoa Física

Nos termos do art. 15, inciso I, letras a e b da Lei Complementar nº 11/71, o FUNRURAL incidia à alíquota de 2% sobre o valor comercial dos produtos rurais e era devido i) pelo adquirente, consignatário ou cooperativa, que ficavam sub-rogados em todas as obrigações do produtor, e ii) pelo produtor, quando ele próprio industrializasse os seus produtos e os vendesse, no varejo, diretamente ao consumidor.

Vale ressaltar que o FUNRURAL foi extinto no ano de 1991, conforme pacífica jurisprudência.
A partir de 1.992, com base em sucessivas leis (leis nºs 8.540/92, 9.527/97 e 10.256/01), a contribuição social do produtor rural pessoa física, que deve ser recolhida pelo adquirente da produção, passou a ser exigida sobre o valor da receita bruta da produção comercializada.

No ano de 2.001, o art. 25 da lei nº 8.212/91, com a redação dada pelo art. 1º da lei nº 10.256/01, fez com que a contribuição social do produtor rural pessoa física, em substituição à contribuição de 20% sobre as remunerações pagas, a qualquer título, aos segurados empregados, empresários, trabalhadores avulsos e autônomos que lhe prestem serviços, passasse a incidir tão-somente sobre a receita bruta proveniente da comercialização da sua produção (alíquota de 2,0%). Tal contribuição ficou conhecida pela denominação “NOVO FUNRURAL”.

O NOVO FUNRURAL – contribuição do produtor rural pessoa física - deve ser recolhido pela empresa adquirente, consumidora ou consignatária da produção, independentemente de essas operações terem sido realizadas diretamente com o produtor ou com intermediário pessoa física (art. 30 da lei nº 8.212/91, com a redação dada pela lei nº 11.488, de 2007).

A Constituição Federal prevê uma única possibilidade de se cobrar contribuição previdenciária do produtor rural pessoa física sobre a sua receita, qual seja aquela prevista no parágrafo 8o do artigo 195, que dispõe que o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, deverão contribuir para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da sua produção. Assim, apenas os produtores rurais pessoas físicas que não têm empregados estão obrigados a pagar contribuição para a seguridade sobre o resultado da comercialização da sua produção. Em outras palavras, os produtores rurais pessoas físicas que sejam empregadores não se sujeitam à contribuição sobre o valor da sua produção, mas apenas sobre o da sua folha de salários.

Em sendo considerado inválido, pelo Poder Judiciário, o argumento acima exposto, ainda assim persiste a inconstitucionalidade da contribuição social do produtor rural pessoa física.

Isso porque o artigo 194 da Constituição Federal unificou os Regimes Previdenciários, não mais sendo válida a criação de uma contribuição para a seguridade social específica para o Setor Rural.

Quisesse o legislador exigir uma contribuição social para a seguridade social do produtor rural pessoa física, deveria tê-lo feito por meio da lei que criou a COFINS, que


também é uma contribuição social incidente sobre a receita, que visa a financiar a seguridade social.

À evidência, não há empecilho para que a COFINS venha a ser exigida de qualquer produtor rural pessoa física, desde que este se encontre na condição de empregador.

Não cabe, portanto, ao legislador exigir da pessoa física uma outra contribuição incidente sobre o valor da sua receita, uma vez que já existe legislação dispondo sobre a exigência de contribuição sobre esta mesma base de cálculo (lei da COFINS).
Quem deve recolher a contribuição sobre a receita da produção rural, sem possibilidade de discussão judicial:

O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes. (§ 8º do art. 195 da CF).

Fato gerador:

O fato gerador da contribuição social ocorre na comercialização da produção rural do produtor rural pessoa física e do segurado especial realizada diretamente com a) adquirente domiciliado no exterior (exportação); b) consumidor pessoa física, no varejo; c) adquirente pessoa física, não-produtor rural, para venda no varejo a consumidor pessoa física d) outro produtor rural pessoa física; e) outro segurado especial; f) empresa adquirente, consumidora, consignatária ou com cooperativa; (Art. 241 da Instrução Normativa SRP nº 3, de 14 de julho de 2005)

Quem deve recolher a contribuição do produtor rural pessoa física, na condição de responsável tributário:

1. A empresa adquirente, consumidora ou consignatária ou a cooperativa ficam sub-rogadas nas obrigações da pessoa física, proprietária ou não, que explora atividade agropecuária, a qualquer título, em caráter permanente ou temporário, em área superior a 4 (quatro) módulos fiscais; ou, quando em área igual ou inferior a 4 (quatro) módulos fiscais ou atividade pesqueira, com auxílio de empregados ou por intermédio de prepostos (alínea "a" do inciso V do art. 12), independentemente de as operações de venda ou consignação terem sido realizadas diretamente com o produtor ou com intermediário pessoa física, exceto no caso do inciso X deste artigo, na forma estabelecida em regulamento. (Art. 30, IV, da lei 8.212/91)

Obs: Equipara-se ao empregador rural pessoa física o consórcio simplificado de produtores rurais, formado pela união de produtores rurais pessoas físicas, que outorgar a um deles poderes para contratar, gerir e demitir trabalhadores para prestação de serviços, exclusivamente, aos seus integrantes, mediante documento registrado em cartório de títulos e documentos (art. 25 A da lei 8.212/91).

Hipóteses em que o produtor rural pessoa física deve recolher diretamente o FUNRURAL:
A pessoa física proprietária ou não, que explora atividade agropecuária, a qualquer título, em caráter permanente ou temporário, em área superior a 4 (quatro) módulos fiscais;

ou, quando em área igual ou inferior a 4 (quatro) módulos fiscais ou atividade pesqueira, com auxílio de empregados ou por intermédio de prepostos e o segurado especial são obrigados a recolher, diretamente, a contribuição sobre a receita da comercialização da produção, caso comercializem a sua produção a) no exterior; b) diretamente, no varejo, ao consumidor pessoa física; c) à pessoa física que explora atividade agropecuária, a qualquer título, em caráter permanente ou temporário, em área superior a 4 (quatro) módulos fiscais; ou, quando em área igual ou inferior a 4 (quatro) módulos fiscais ou atividade pesqueira, com auxílio de empregados ou por intermédio de prepostos; d) ao segurado especial (pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar[1], ainda que com o auxílio eventual de terceiros a título de mútua colaboração, na condição de a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade i) agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais; ou ii) de seringueiro ou extrativista vegetal e faça dessas atividades o principal meio de vida; iii) pescador artesanal ou a este assemelhado, que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e iv) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado,que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo.). (art. 30, X da lei 8212/91)
Base de cálculo do FUNRURAL:

A base de cálculo da contribuição social devida pelo produtor rural pessoa física é i) o valor da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção e dos subprodutos e resíduos, se houver.

Obs: Considera-se receita bruta o valor recebido ou creditado ao produtor rural pela comercialização da sua produção rural com adquirente ou consumidor, pessoas físicas ou jurídicas, com cooperativa ou por meio de consignatário, podendo, ainda, ser resultante de permuta, compensação, dação em pagamento ou ressarcimento que represente valor, preço ou complemento de preço. (Art. 246 da Instrução Normativa SRP nº 3, de 14 de julho de 2005)
Obs: Integram a produção, para os efeitos deste artigo, os produtos de origem animal ou vegetal, em estado natural ou submetidos a processos de beneficiamento ou industrialização rudimentar, assim compreendidos, entre outros, os processos de lavagem, limpeza, descaroçamento, pilagem, descascamento, lenhamento, pasteurização, resfriamento, secagem, fermentação, embalagem, cristalização, fundição, carvoejamento, cozimento, destilação, moagem, torrefação, bem como os subprodutos e os resíduos obtidos através desses processos. (§ 3º do art. 25 da lei 8212/91)

[1]§ 1o Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

ASPECTOS OBJETIVOS DA CÉDULA DE PRODUTO RURAL (CPR)

SUMÁRIO:
1. Considerações iniciais. 2. Legitimação e Requisitos. 3. Cartularidade. 4. Garantias. 4.1.Hipoteca. 4.2. Penhor. 4.3. Alienação Fiduciária. 4.4. Impenhorabilidade dos bens vinculados a CPR. 5. Caso fortuito, força maior e evicção. 6. Inadimplemento e o processo judicial. 7. Conclusões.

1. Considerações iniciais.

O cenário vivenciado pelo setor agropecuário brasileiro na década de oitenta teve forte impulso pela política agrícola de crédito subsidiado e preços mínimos, acarretando numa forte modernização da frota e tecnologia para aumento da produção no setor.
No entanto, no final da década de oitenta e inicio da de noventa, baixos índices de crescimento econômico, inflação sem controle e endividamento externo aliado a diversos planos econômicos mal sucedidos geraram infindáveis prejuízos.
A produção primária nos dois primeiros anos da década de noventa teve um decréscimo de cerca de vinte por cento ao ano, influenciado por fatores repercutidos no campo e diversos cortes dos incentivos a agropecuária.
Assim sendo, alternativas para o resgate de um panorama positivo da produção primária se fizeram necessárias, pois a escassez do crédito, juntamente com a insegurança da produção e a incerteza da cotação de determinados produtos agrícolas geraram a necessidade de criação de alternativas para prestar segurança desses fatores aos produtores rurais, propiciando a criação da Cédula de Produto Rural.
A CPR foi instituída pela Lei nº. 8.929 de 22 de agosto de 1994 sendo uma cártula que representa a promessa de entrega de produtos rurais, onde os emitentes podem ser: o produtor rural, associações ou cooperativas, que venderão antecipadamente o produto caracterizado na cédula com o intuito de capitalização de recursos.
Dessa forma, os legitimados a emissão da Cédula de Produto Rural anuem a obrigação de entregar na data estipulada o produto, sempre com sua indicação e as especificações da qualidade e quantidade, também o local e as condições que será perfectibilizada a entrega.
A CPR contendo todos os seus requisitos, que serão sempre lançados em seu contexto, tornar-se-á título líquido, certo e exigível pela quantidade e qualidade do produto nela previsto, norteado por regras de direito civil. No entanto cumpre salientar que a Lei a qual instituiu a presente cédula, regula que deverão ser aplicados no que forem cabíveis às normas de direito cambial, com as modificações tratadas nos incisos do artigo 10 da Lei da CPR, que veremos mais adiante.
Dessa forma podemos observar que a CPR é um título de crédito, pois contém elementos essenciais para a formulação desse conceito, qual seja, é um documento. Uma cártula onde menciona uma ou mais obrigações literais e autônomas habilitando seu portador ao exercício concreto do crédito, em face dos signatários ou emitentes, representando e substituindo valores, com a vantagem de ser negociável e sendo dotado de executividade.
Nesse caso, o ambiente externo no qual propiciou sua criação, uma vez corporificadas no documento, se transforma em obrigação, possibilitando a circulação rápida do título, por endosso, afastando do emitente quaisquer alegações quanto a motivação que ensejou a emissão do título.
O estímulo ao crédito é um dos fatores fundamentais para uma economia saudável. Enquadra-se, então, a Cédula de Produto Rural, pois como título de crédito sua circulação e cobrança se tornam mais eficientes pelo fato do credor poder acionar o emitente inadimplente de forma mais simplificada na via judicial.
A segurança jurídica é outro fator fundamental para que o título seja difundido no mercado, nesse sentido a Lei que instituiu a CPR abriga diversas formas de garantias cedulares: a hipoteca, o penhor e a alienação fiduciária, tornando a cobrança do título mais efetiva no caso de inadimplemento por parte do emitente.
Não obstante a essas garantias para o credor, a Lei nº. 8.929, em seu artigo 18, é expressa ao determinar que “os bens vinculados à CPR não serão penhorados ou seqüestrados por outras dívidas do emitente ou do terceiro prestador de garantia real, cumprindo qualquer deles denunciar a existência da cédula às autoridades incumbidas da diligência, ou a quem a determinou, sob pena de responderem pelos prejuízos resultantes de sua omissão”. Restando um crédito absolutamente impenhorável que representa uma verdadeira garantia exclusiva do credor.
Inclusive, o artigo 17 do mesmo diploma legal, afirma que pratica crime de estelionato o emitente ou avalistas que derem falsas ou inexatas informações acerca de bens que oferecerem em garantia da CPR, corroborando ainda mais a segurança jurídica do presente instituto.
Para prestar maior dinamismo, em fevereiro de 2001 com a Lei. 10.200, inclui-se o artigo 4-A, que permite a liquidação financeira da CPR e em 2004 com o advento da Lei 11.076, promulgada para que ocorra a circulação escritural entre investidores, assim o emitente realiza o negócio jurídico com o credor, esse por sua vez efetua o registro da CPR em sistema autorizado pelo Banco Central, tipo BM&F ou CETIP, onde no momento desse registro a CPR se dará na forma eletrônica, permitindo assim a circulação entre investidores.
Dessa forma vemos que a CPR atinge seus objetivos, pois ao produtor rural, garante a comercialização de sua cultura antecipadamente com a garantia do valor, tendo em vista as flutuações dos preços em determinados produtos.
E ao credor da CPR é favorável, pois garante que no futuro receberá a produção comprada anteriormente gerando assim certeza jurídica para prospectar novos negócios, assim a Cédula de Produto Rural atinge sua função social pelo fator da substituição do financiamento agrícola estatal, permitindo ao Estado canalizar seus investimentos em outras áreas.

2. Legitimação e Requisitos à emissão da CPR.

O acordo de vontades ou o consentimento das partes é fundamental para a celebração da CPR, que não constitui somente um requisito de validade, mas também um pressuposto de existência para que a cártula seja perfeita e eficaz.
O emitente e o credor deverão prestar informações recíprocas para estabelecer um acordo, que será sempre em dois momentos distintos: a oferta ou proposta e a aceitação, e quando as vontades concordarem é que se firmará a obrigação bilateral.
No entanto, não basta apenas o acordo mútuo de vontades para realizar a operação da Cédula de Produto Rural sem que as partes tenham legitimidade, essa legitimação para contratar, passará necessariamente pelos aspectos gerais do direito civil e então nos requisitos específicos da Lei que regula a Cédula.
Desse modo os requisitos gerais dos negócios jurídicos recaem necessariamente, de um acordo de vontades de duas ou mais pessoas; capacidade genérica para praticar atos da vida civil, aptidão específica para contratar, consentimento entre as partes, que sejam isentas de vícios, tais como erro, dolo, coação, lesão, estado de perigo, simulação ou fraude.
E conforme preceitua Maria Helena Diniz , os requisitos objetivos dos negócios jurídicos, obrigatoriamente deverão incidir sobre um objeto lícito, não sendo contrário à lei, à moral, aos princípios de ordem pública e aos bons costumes.
Também a possibilidade física ou jurídica do objeto, pois aquele que se obriga a executar algo impossível de realização a nada se obrigou. A determinação de seu objeto, sendo esse certo ou determinável, deve conter elementos suficientes e necessários com todas as especificações possíveis e dotado de economicidade, tendo dessa forma que ser convertida tal obrigação, mesmo que indiretamente em dinheiro.
Superados esses elementos inerentes aos negócios jurídicos passamos agora a abordar os requisitos específicos que dispõe a Lei no qual instituiu a Cédula de Produto Rural, onde no seu artigo segundo define os legitimados para emitir a CPR.
Esses legitimados à emissão da CPR são necessariamente os agentes que justificaram a criação do título e que a Lei preocupou-se em enumerar, são estes: o produtor rural, suas associações e as cooperativas.
Assim para definirmos a conceituação de produtor rural mencionamos o artigo 4º do Estatuto da Terra que define como empresa rural o empreendimento de pessoa física ou jurídica que possua estrutura a fim de exploração do imóvel rural, dessa forma o empresário ou produtor rural é o responsável pela organização da atividade agrária.
Esses poderão ser a plantação de vegetais destinados a alimentação, fonte energética ou matéria-prima; destinado a criação de animais para o corte ou cria e ainda ao extrativismo vegetal, animal e mineral.
E quanto às associações e cooperativas podemos destacar os imperativos tratados no Código Civil, para a definição dessas entidades jurídicas, sendo que a Lei 5.764 de 16 de dezembro de 1971 define e institui o regime jurídico das cooperativas.
Dessa forma o conceito de cooperativa vem disposto no artigo 4º da Lei 5.764/71 que veremos abaixo:
Art. 4º As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes características:
I - adesão voluntária, com número ilimitado de associados, salvo impossibilidade técnica de prestação de serviços;
II - variabilidade do capital social representado por quotas-partes;
III - limitação do número de quotas-partes do capital para cada associado, facultado, porém, o estabelecimento de critérios de proporcionalidade, se assim for mais adequado para o cumprimento dos objetivos sociais;
IV - incessibilidade das quotas-partes do capital a terceiros, estranhos à sociedade;
V - singularidade de voto, podendo as cooperativas centrais, federações e confederações de cooperativas, com exceção das que exerçam atividade de crédito, optar pelo critério da proporcionalidade;
VI - quorum para o funcionamento e deliberação da Assembléia Geral baseado no número de associados e não no capital;
VII - retorno das sobras líquidas do exercício, proporcionalmente às operações realizadas pelo associado, salvo deliberação em contrário da Assembléia Geral;
VIII - indivisibilidade dos fundos de Reserva e de Assistência Técnica Educacional e Social;
IX - neutralidade política e indiscriminação religiosa, racial e social;
X - prestação de assistência aos associados, e, quando previsto nos estatutos, aos empregados da cooperativa;
XI - área de admissão de associados limitada às possibilidades de reunião, controle, operações e prestação de serviços.

E em seu artigo sexto , podemos também englobar as centrais ou federações de cooperativas, ressaltando de que essas estejam de acordo com suas condições essenciais.
Superada a legitimação do emitente passamos a abordar os requisitos essenciais para ser lançado na cártula, pois como título de crédito, para que o credor seja assegurado de todos os direitos incorporados na cártula, o rol de requisitos tratados no artigo 3º da Lei nº. 8.929 apenas um é facultativo, sendo todos os outros obrigatórios para que o título não perca sua característica executiva.
Dessa forma, cada espécie de título possui uma forma própria, que são expressamente enumerados pela lei, não sendo observados esses requisitos compromete o direito do credor a uma eventual propositura de ação de busca e apreensão do bem dado em garantia fiduciária ou para promover uma ação de execução para entrega de coisa incerta.
Assim devemos atentar aos incisos do artigo terceiro da Lei da CPR, onde no primeiro inciso preconiza a obrigatoriedade ser lançado na cártula a expressão “Cédula de Produto Rural”, requisito básico, que, no entanto, se não for observado perde eficácia executiva, gerando o dever do juízo analisar a demanda judicial em cognição exauriente.
A data da entrega é outra condição de fundamental importância, pois como a CPR trata da promessa do emitente em entregar o produto, a data deverá ser lançada em seu contexto para que não paire duvidas do dia convencionado para tanto.
A CPR surgiu com o objetivo de oportunizar aos legitimados da emissão a venda antecipada da produção, por esse motivo parece claro em aduzir que a data da entrega deverá obrigatoriamente ser avençada em momento posterior à colheita, para que o produto esteja em condições como o pactuado entre as partes desse negocio jurídico.
Deve constar também na CPR o nome do credor e cláusula a ordem, como o título possui o permissivo legal para circular nos mercados de bolsa e balcão essa cláusula a ordem deverá fazer parte do instrumento de compra e venda antecipada de produtos rurais.
O nome do credor, destinatário da entrega futura do produto deverá ser sempre identificado e qualificado, pois o emitente deverá satisfazer sua obrigação em favor desse credor destinatário. Ocorre que poderá haver endosso no título, nesse caso outro será o titular do direito representado na cártula, sendo que nesse caso muda apenas o destinatário final da obrigação mantendo-se as mesmas cláusulas constantes na cédula.
Em muitos casos, motivo de divergência entre emitente e credor-endossatário, trata-se do local da entrega futura do produto negociado, pois deverá ser alterada somente com expresso ajuste entre as partes, conforme estipula o artigo 9º da Lei 8.929/94. Se não houver a cláusula “à ordem” a CPR tornar-se-á inviável para circular livremente, atingindo dessa forma na sua característica cambial.
O inciso quarto do artigo terceiro da mencionada Lei da CPR dispõe que a “promessa pura e simples de entregar o produto, sua indicação e as especificações de qualidade e quantidade” esse inciso estipula que a CPR deverá mencionar em seu contexto a promessa simples e pura de entregar o produto nela prometido, com suas condições específicas e inerentes de cada produto agrário.
Condições que em termos de quantidade e qualidade poderão ser classificados conforme seu tipo, umidade, impureza, conteúdo de óleo base, grãos avariados, ardidos, quantidades máximas e mínimas de grãos verdes e quebrados e ainda para classificar a quantidade poderão estar expressos em quilogramas, toneladas, arroba, unidade, fardo, sacas, etc.
Assim podemos perceber que são diversas as formas de qualificação e quantificação que será definido conforme as características inerentes de cada produto rural, pois não pode haver imprecisão neste ponto, tendo em vista que um eventual inadimplemento serão essas características que o credor deverá se basear na busca do produto comprado.
A condição e local da entrega é o requisito quinto do artigo terceiro da Lei 8.929/94 e essa indicação do local é de fundamental importância, tendo em vista que será diante desses aspectos que se dará a entrega do emitente/vendedor ao credor/comprador, assim não pode haver dúvidas quanto a esse requisito, para não frustrar o integral cumprimento da Cédula.
A maior precisão possível sempre é recomendada, pois somente assim credor e o emitente terão a certeza do fiel cumprimento da obrigação, essa individualização da entrega deverá trazer consigo a maior quantidade de informações, para o perfeito cumprimento, indicando a cidade, estrada ou rua de localização, número indicativo do local, o terminal e o porto que se dará a entrega para restar cristalino o fiel cumprimento da obrigação.
No entanto se o credor ou o emitente no momento da celebração da CPR não atentarem a esse aspecto, e no momento da entrega o emitente padecer em dúvidas quanto a entrega do produto vendido, esse poderá notificar o credor para que informe com mais clareza o local da entrega. Essa notificação se dará por carta com aviso de recebimento ou entrega simples com protocolo, para eventual prova futura.
Superado o local da entrega passamos para a segunda parte do dispositivo em questão que é a condição da entrega do produto, essa condição é bastante variável, pois será alterado de acordo com regras específicas de cada armazém, porto, indústria, etc. Esse requisito é de suma importância, mas, muitas vezes não é observado o que pode acarretar até mesmo no perecimento do produto rural.
Uma questão delicada no aspecto da entrega e condição se dará no caso da CPR endossada, podendo surgir dúvidas nesse ponto, pois o credor primitivo e o emitente convencionaram num sentido, ocorre que o endossatário poderá ter interesse de que o produto seja entregue em local e em condições diversas da que o emitente inicialmente se comprometeu.
Nesse caso não assistira razão ao endossatário, pois antes de realizar o negócio com o credor primitivo teria que ter a prudência de convencionar com o emitente, para que fosse lavrado o competente aditivo, de acordo com o artigo 9º da Lei 8.929/94.
Dentre os oito requisitos que os incisos do artigo terceiro preceituam para serem lançados no contexto da cártula, apenas o sexto é facultativo, pelo fato das partes não estarem obrigadas a lançarem garantia no título, é certo dizer que não seria desejável realizar uma operação vinculada a CPR sem que haja uma garantia capaz de satisfazer o pagamento do capital investido pelo credor.
Dessa forma podemos dizer que a grande maioria de operações de compra e venda antecipada, representada por CPR terá bens cedularmente vinculados em garantia, e assim o requisito do inciso sexto do artigo terceiro deverá ser lançado no contexto da cédula.
Assim os bens vinculados em garantia deverão obrigatoriamente, ser caracterizados com boa precisão, sob pena de vício do título. Não é necessário de que essa descrição esteja no corpo da cédula, conforme §2° do artigo 3º da Lei da CPR “ a descrição dos bens vinculados em garantia pode ser feita em documento à parte, assinado pelo emitente, fazendo-se, na cédula, menção a esse circunstância”.
Embora o §3° do artigo 3º da Lei 8.929/94 faça menção que a descrição dos bens será realizada de modo simplificado é temeroso que se proceda dessa forma, para não gerar dúvidas caso a garantia seja requisitada em momento posterior, assim para caracterizar os bens, é sempre aconselhável descrevê-los sempre dentro dos padrões usuais.
A data e lugar da emissão e a assinatura do emitente são os últimos requisitos do Art. 3º da Lei 8.929/94, pois como não poderia deixar de ser para que o título tenha validade, seja exigível e eficaz deverá conter sempre esses requisitos, uma vez que representará conhecimento temporal e autenticidade a cártula.
O §1º do artigo 3º da Lei em questão assim dispõe “Sem caráter de requisito essencial, a CPR poderá conter outras cláusulas lançadas em seu contexto, as quais poderão constar de documento à parte, com assinatura do emitente, fazendo-se, na cédula, menção a essa circunstancia.”, dessa forma percebemos que esse dispositivo decretou uma liberalidade quanto as cláusulas acessórias que poderão constar no título.
Nesse sentido o emitente e o comprador poderão pactuar de forma a elidir riscos, de pontos que achem necessários, para que o investidor/comprador tenha maior garantia de receber o produto que o emitente/produtor se obrigou a entregar, gerando assim maior segurança no cumprimento da CPR, permitindo até mesmo uma elevação do preço pago pelo produto pela diminuição do risco de um eventual inadimplemento.
Assim, poderão as partes acordarem, por exemplo, que o comprador poderá ter acesso ao empreendimento rural para fiscalizar a correta formação e condução da lavoura, acompanhar a colheita, o transporte e a situação de armazenamento dos produtos vinculados na CPR. Também poderão pactuar no sentido do produtor rural contratar um seguro agrícola para garantir uma eventual frustração da safra.
Dessa forma a atenção para os requisitos e para os legitimados a emissão da Cédula de Produto Rural é de suma importância para que depois não seja considerado um título patológico, gerando uma grande discussão na via judicial, portanto atendendo todos os requisitos e quem emitiu a CPR seja realmente legitimado teremos uma cártula atenderá com toda a plenitude os seus objetivos.

3. Cartularidade

A Cédula de Produto Rural é um título cartular, ou seja, sua emissão e existência dispensam prova do negócio jurídico subjacente. O artigo 4º da Lei nº. 8.929/94 é claro ao afirmar que a CPR é titulo líquido, certo e exigível, conforme verificamos abaixo:
Art. 4º A CPR é título líquido e certo, exigível pela quantidade e qualidade de produto nela previsto.
Parágrafo único. O cumprimento parcial da obrigação de entrega será anotado, sucessivamente, no verso da cédula, tornando-se exigível apenas o saldo.
Dessa forma, sendo lançados todos seus requisitos de que trata o artigo 3º do mesmo diploma legal, resta configurada o título certo, líquido e exigível, de tal modo que não seria necessário nem ao menos comprovar o pagamento e o preço pelos produtos obrigados na CPR.
Nesse sentido o Ilustre Porfessor Wellington Pacheco Barros , assim preconiza:
“Demonstrando o caráter cambial da Cédula de Produto Rural, o legislador expressamente afirmou no art. 4º da Lei nº 8.929/94 constituir ela título líquido, certo e exigível pela quantidade e qualidade de produto nela previsto. Constitui título líquido aquele que demonstra em si mesmo a prova de uma relação jurídica, sem necessidade de qualquer outro meio probatório; título certo, como aquele que confirma um bom direito e que, em decorrência das verdades ali contidas, se torna título exigível contra quem emitiu. No caso da CPR, preenchendo ela os requisitos formais do art. 3º da Lei nº. 8.929/94, adquire a validade necessária para demonstrar que houve uma promessa perfeita de entrega de produtos rurais na quantidade e qualidade nela previsto.”.
Esse também é o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul , eis que a jurisprudência é pacifica ao conceder à Cédula de Produto rural, que se entende como um micro-sistema próprio, a qualidade de título, ou seja, é representativo de um negócio jurídico perfeito e eficaz.
Assim, é certa a exigibilidade da CPR, eis que consubstancia título de apresentação. Ademais, possuindo eficácia processual abstrata, separando causa da obrigação, o título possui força executiva própria, o que autoriza o crédito é apenas e exclusivamente o título.
Dessa forma a CPR é um título de crédito rural, que pela característica que possui de não ser diretamente destinado ao financiamento rural, é classificado como título de crédito rural assemelhado.
Por haver essa característica, possui também os três princípios inerentes aos títulos de crédito, quais sejam a cartularidade, literalidade e autonomia.
Assim o princípio da cartularidade preconiza que o título de crédito exerce os direitos por ele representados, sendo indispensável que o credor se encontre na posse do documento (cártula), sem o preenchimento dessa condição, mesmo que a pessoa seja efetivamente credora, não poderá exercer o seu direito de crédito valendo-se dos benefícios do regime jurídico-cambial. Por essa razão é que se diz, que no conceito de título de crédito, que ele é um documento necessário para o exercício do direito nele contido.
Dessa forma leciona Fábio Ulhoa Coelho que na aplicação prática do princípio da cartularidade, tem-se a impossibilidade de se promover a execução judicial do crédito representado instruindo-se a petição inicial com cópia xerográfica do título de crédito.
O princípio da literalidade é o predicado de correspondência entre o teor do documento e o direito representado, emergindo do título o direito que está escrito no documento, ou seja, o título vale pelo que nele se menciona, vale pelo que é e declara.
A medida do direito contido no título, enunciando a existência e o conteúdo do direito em toda sua extensão. Conseqüência desse princípio é o credor ter o direito de somente exigir o que está escrito no título e o emitente de só entregar o que esta convencionado na CPR.
Citando o terceiro princípio dos títulos de créditos, o Professor Waldo Fazzio Júnior , destaca que a autonomia é de cada direito mencionado no título. Cada obrigação contida no documento é autônoma, existe por si só, de modo que o adquirente ou portador do título pode exercitar seu direito sem qualquer dependência das outras relações obrigacionais que o antecederam. Quem assina uma declaração cambial fica por ela obrigado. Está isento de eventual contágio dos vícios ou nulidades de outras assinaturas, das quais não depende. Quem saca ou emite, quem aceita, quem endossa ou quem avaliza uma cártula é signatário de uma declaração cambial, é responsável pela realização do valor que afirma existir no tempo e lugar determinados. Obriga-se porque assina e pelo que assina.
Nesse sentido verificamos que a Cédula de Produto Rural é título que possui determinada segurança jurídica na operação que se deseja desenvolver, majorando nesse sentido sua atuação dentro do mercado do agronegócio.

4. Garantias

A Cédula de Produto Rural foi criada com o propósito de capitalizar o produtor rural com recursos provenientes da iniciativa privada, propiciando ao produtor um duplo efeito: garante a venda antecipada da sua produção agropecuária e gera receita para investir esse capital da forma que melhor lhe convier conseguindo planejar sua atividade com maior segurança.
Nesse sentido, hoje o produtor possui esse instrumento, que se for bem utilizado permite que o empresário rural saiba exatamente quanto lhe renderá sua atividade, sem preocupação de frustração de safra, realizando seguro, e sem a preocupação inerente do setor primário que é o valor da cotação do produto no futuro.
Essa imprevisão quem suportará é o investidor privado, eis que comprará produção futura do produtor rural, pagando o preço ajustado no momento da emissão da cédula pelo produtor, não sabendo o valor desse produto no futuro.
No entanto o investidor/comprador poderá também vincular essa operação a uma venda futura nos mercados de mercadorias e futuro, dessa forma já fixa também o valor que venderá essas commodities, assim paga para o produtor na emissão e já atrela essa operação com uma venda futura do produto que receberá na data do vencimento, sabendo desde logo o percentual que lhe renderá esse capital investido.
Assim o investidor que aplicará seus recursos financeiros disponíveis na compra futura de produto agropecuário irá desejar uma garantia por parte do produtor, pois caso haja inadimplemento ou o produtor rural não contratou seguro agrícola e a safra frustrou por motivos diversos, terá que reaver seu capital investido, por meio da garantia que fixar na CPR.
Dessa forma o artigo 5º. da Lei nº. 8.929/94 estabelece que a garantia cedular da obrigação contida no título poderá consistir em hipoteca, penhor e alienação fiduciária, nesse sentido essas garantias abrem um leque de opções de garantias para serem negociados seus termos entre o emitente e o comprador.
Garantindo maior segurança jurídica às garantias vinculadas na Cédula, preceitua o artigo 18 da Lei 8.929/94 que “os bens vinculados à CPR não serão penhorados ou seqüestrados por outras dívidas do emitente ou do terceiro prestador da garantia real, cumprindo a qualquer deles denunciar a existência da cédula às autoridades incumbidas da diligência, ou a quem a determinou, sob pena de responderem pelos prejuízos resultantes de sua omissão”.
A CPR ganha segurança jurídica para que se desenvolvam negócios, pois o artigo 18 trata da impenhorabilidade, e ainda, para reforçar ainda mais estabelece o artigo 17 do mesmo diploma legal que “pratica crime de estelionato aquele que fizer declarações falsas ou inexatas acerca de bens oferecidos em garantia da CPR, inclusive omitir declaração de já estarem eles sujeitos a outros ônus ou responsabilidade de qualquer espécie, até mesmo de natureza fiscal”, avigorando ainda mais o título.
Desse modo passamos a análise de cada garantia cedular que a Lei da CPR mencionou, como hipoteca, penhor e alienação fiduciária e após os limites, conceitos e divergências existentes no que se refere sobre impenhorabilidade dos bens vinculados na cártula.

4.1 Hipoteca

A hipoteca é um direito real de garantia, que grava a coisa imóvel hipotecável, pertencente ao emitente ou terceiro, prestador de garantia, sem que haja a transmissão da posse ao credor, conferindo este o direito de promover a sua venda judicial, pagando-se o preço do produto, convertido pela cotação do produto no dia do vencimento.
Conforme a Ilustre Maria Helena Diniz , as vantagens dessa garantia são grandes devido a sua utilidade ao estimular o desenvolvimento econômico, proporcionando a abertura de créditos, a realização de negócios e a movimentação das riquezas ligadas ao solo.
Após, Diniz passa a análise deste conceito, aduzindo que interferem-se os seguintes caracteres jurídicos da hipoteca:
É direito real de garantia, pois vincula imediatamente o bem gravado, que fica sujeito à solução do débito, sendo, ainda, oponível erga omnes, gerando para o credor hipotecário o direito de seqüela e a excussão da coisa onerada, para se pagar preferencialmente, com sua venda judicial
Prossegue afirmando que possui natureza civil, embora haja autores, como Carnelutti, que a consideram um instituto processual. Porém, pela sua estrutura e efeitos, percebe-se que pertence à seara do direito civil, ainda mais pelo fato de que os artigos. 1.473 a 1.505 do Código Civil a disciplinam, pouco importando a qualidade das pessoas do devedor ou do credor, e a natureza da dívida que se pretende garantir. Sendo que o § único do art. 6º da Lei 8.929/94 é esclarecedor ao aduzir que “aplicam-se à hipoteca cedular os preceitos da legislação sobre hipoteca, no que não coincidirem com esta lei.”
Desse modo o legislador transportou alguns dispositivos do Decreto-Lei nº. 167/67, abrangendo na hipoteca cedular todas as construções, aparelhos, maquinários e benfeitorias de qualquer espécie, anteriores ou posteriores à emissão da cédula, e que só podem ser retiradas do imóvel com a anuência do credor.
Prosseguindo na análise da hipoteca, será sempre um negócio jurídico que requer a presença de dois sujeitos, o ativo, que é o credor hipotecário, cujo crédito está garantido pela hipoteca, e o passivo, que é o devedor hipotecante, que dá o bem em garantia da entrega futura dos produtos prometidos na CPR.
O imóvel gravado deve ser de propriedade do devedor ou de terceiro, que dá o bem para garantir a obrigação contraída pelo emitente. Exige que o devedor hipotecante continue na posse do imóvel onerado, que exerce sobre ele todos os seus direitos.
É indivisível no sentido de que o ônus real grava o bem em sua totalidade, que enquanto não liquidar a obrigação, a hipoteca subsiste, por inteiro, sobre a totalidade da coisa onerada, ainda que haja entrega parcial do produto, nesse caso devendo ser anotado no verso da cédula .
Representa um acessório da obrigação, cuja a entrega se pretende garantir, ou seja, é um direito real criado para assegurar a eficácia de um direito pessoal, de tal modo que quando for adimplida a obrigação principal, desaparecerá o ônus real.
E por fim, para a hipoteca ter eficácia contra terceiros a CPR deverá ser averbada na matrícula do imóvel, seja ele rural ou urbano, no Cartório de Registro de Imóveis que se encontre o bem garantido.

4.2 Penhor

A Lei 8.929/94 estabelece que podem ser objeto de penhor cedular, os bens suscetíveis de penhor rural e mercantil. O penhor rural divide-se em agrícola e pecuário.
O penhor é um direito real de garantia, havendo nesse caso uma vinculação do bem empenhado a entrega do produto, pressupondo a existência do crédito a ser garantido. Dessa forma é um direito acessório, pois o penhor segue o destino da obrigação principal, de modo que, se esta se extinguir desaparece o direito real.
O bem vinculado ao penhor agrícola ou pecuário deverão permanecer na posse imediata do garantidor, quer seja ele o próprio emitente da cédula de produto rural, ou o terceiro garantidor, nos termos da Lei 492/37 que dispõe sobre o penhor rural.
Uma característica básica do penhor a entrega do objeto gravado ao credor, no entanto o penhor rural e mercantil dispensa a tradição da entrega da posse ao comprador, pois conforme dispõe o Código Civil no § único do artigo 1.431 e legislação especifica as coisas empenhadas continuam em poder do devedor.
Essa disposição sobre o penhor rural e mercantil é um facilitador para a implementação da garantia, uma vez que evita a permanência de bens necessários e úteis à atividade agrária em poder de pessoas alheias a essa atividade. Fato muito importante no setor agropecuário, tendo em vista que permite ao emitente garantir determinado bem e ainda continuar utilizando-se desse para produzir os produtos vendidos antecipadamente.
No entanto, a Lei também criou mecanismos para a efetivação em caso de inadimplência, sendo que o emitente ou o terceiro prestador da garantia deverão guardar e conservar na qualidade de fiel depositário.
Nesse caso o devedor deverá entregar o bem constrito, em caso de inadimplemento, pois se isso não ocorrer, impõe sanções graves, até mesmo prisão civil, conforme preceitua o artigo 652 do Código Civil, artigo 5º, LXVII da Constituição Federal, artigo 35 da Lei 492/37 e artigo 168, §1º, I do Código Penal. Portanto embora essa praticidade dos bens empenhados permanecerem na posse do emitente, se esse for inadimplente e não entregar o bem dado em garantia poderá incorrer nessas sanções previstas nos dispositivos legais.
Podem ser objeto de penhor agrícola: máquinas e instrumentos de agricultura, colheitas pendentes ou em via de formação, frutos acondicionados ou armazenados, lenha cortada ou carvão vegetal e animais do serviço ordinário de estabelecimento agrícola.
Vejamos que o penhor agrícola viabiliza a efetiva garantia sobre coisas futuras, como o próprio produto vinculado à CPR, onde pode-se estabelecer o penhor do produto que será entregue no vencimento da cédula.
Esse penhor, que recai sobre a colheita pendente, ou em via de formação, abrange a imediatamente seguinte, no caso de frustração de safra ou ser insuficiente para adimplir o crédito, conforme estatui o artigo 1.443 do Código Civil.
E caso o emitente não realize outra CPR com o comprador, o produtor poderá constituir com outrem novo penhor, em garantia máxima equivalente à do primeiro, esse segundo penhor terá preferência sobre o primeiro, abrangendo este apenas o excesso apurado na colheita seguinte.
O penhor pecuário incide sobre os animais que integram a atividade pastoril, agrícola ou de laticínios, conforme preceitua o artigo 1.444 do Código Civil, significando que o penhor pecuário recai sobre o gado em geral.
Quando o penhor convencionado entre o emitente e comprador for o mercantil deverão as partes observar os seguintes caracteres inerentes a essa modalidade visando garantir a Cédula de Produto Rural, os bens que poderão recair sobre essa modalidade são: as máquinas, aparelhos, materiais, matérias, instrumentos, animais utilizados na indústria, matérias-primas e produtos industrializados.
Dessa forma essa espécie de penhor é muito aplicada, pois, por exemplo, poderão incidir o penhor sobre determinado tipo de fertilizantes e outros insumos destinados a atividade agropecuária, no qual o emitente possua armazenado.
O penhor deve ser registrado, para ter eficácia contra terceiros, esse registro deverá ser realizado no registro imobiliário da comarca onde estiverem situados os bens ou animais emprenhados.
Para tanto devem constar na CPR todos os dados que possibilitem a individualização dos bens emprenhados, conforme preconiza o inciso IV do artigo 1.424 do Código Civil, para ter eficácia o penhor do bem dado em garantia deverá conter todas as suas especificações.

4.3 Alienação fiduciária

Conforme a conceituação do Mestre Arnoldo Wald “A alienação fiduciária é o negócio jurídico em que uma das partes (fiduciante) aliena a propriedade de uma cosia móvel ao financiador (ficuciário), até que se extinga o contrato pelo pagamento ou pela inexecução.”
Portanto essa garantia consiste na transferência, realizada pelo devedor/emitente ao credor/comprador, da propriedade resolúvel do bem móvel e a posse indireta do bem gravado em garantia fiduciária.
Assim é uma garantia muito utilizada, principalmente em financiamentos de automóveis p. ex., pois a propriedade do bem enquanto não cessar a obrigação é do credor, sendo essa obrigação extinta, o bem alienado volta a pertencer ao fiduciante.
Essa garantia possui um forte atrativo, eis que o emitente ou o terceiro prestador da garantia permanece na posse do bem, enquanto a propriedade é transferida ao comprador da CPR. Adimplindo-se a promessa de entrega do produto, a propriedade do bem é restituída ao emitente.
No entanto, caso o emitente não cumpra o estipulado na Cédula de Produto Rural é autorizado o ajuizamento da ação de busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, e se esse bem não for suficiente para satisfazer o crédito o credor/comprador poderá executar para entrega de coisa imóvel, inclusive se existir hipoteca ou penhor constituído na mesma cédula.
O fiduciante então terá o direito de ficar com a posse direta da coisa alienada em garantia fiduciária, assim o emitente possuirá em nome do comprado/adquirente, conservando em seu poder com as obrigações de depositário.
A restituição simbólica do bem dado em garantia, assim que entregar o produto prometido na CPR, devendo a baixa ser processada no Registro de Títulos e Documentos onde se encontre arquivada a Cédula, voltando a recuperar a propriedade plena do bem garantido.
A obrigação do fiduciante/emitente será de respeitar a alienação fiduciária em garantia, solvendo a dívida com todos os seus acessórios, adimplindo todas as obrigações que se obrigou, ficando sujeito à execução caso não cumpra com a obrigação.
Deverá manter e conservar o bem alienado, defendendo-o com todos os interditos possessórios contra os que pretenderem turbar ou esbulhar essa posse. Permitir que o comprador fiscalize, o estado da coisa gravada, a qualquer tempo.
No caso de não entrega do produto vinculado na CPR deverá entregar o bem ao comprador, se assim não o fizer sujeita-se as penas de infiel depositário, inclusive a de prisão civil. E continuará o emitente obrigado pelo remanescente da obrigação, se o bem garantido for insuficiente para pagar pelo produto vinculado a CPR na data do vencimento desta.
O artigo 8º da Lei nº. 8.929/94 estabelece que a não identificação dos bens vinculados a garantia da alienação fiduciária, não retira a eficácia da garantia, que poderá incidir sobre outros do mesmo gênero, qualidade e quantidade, de propriedade do garante.
Embora a Lei da CPR garanta a eficácia da alienação fiduciária mesmo não sendo realizada a descrição ideal para a perfeita identificação do bem alienado, não parece ser a melhor alternativa, uma vez que gera margem a discussão das mais variadas possíveis.
Desse modo é sempre bom primar pela identificação plausível dos bens alienados fiduciariamente, pois o juiz ao despachar o pedido de busca e apreensão, deverá examinar com bastante critério, podendo ser prejudicial ao credor, que ao elaborar a identificação do bem, objeto da alienação deveria ter maior cautela.
Também no que se refere à alienação fiduciária sobre bens fungíveis embora a Lei faça expressa menção, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça não aceita tal garantia para esses bens, portanto vale cautela nesse sentido. É bom frisar que o STJ não se manifestou expressamente em relação a essa garantia vinculada a Cédula de Produto Rural. Portanto existe certo risco do Poder Judiciário não tutelar esta garantia sobre os bens fungíveis.

4.4 Impenhorabilidade dos bens vinculados a Cédula de Produto Rural

A CPR é título de crédito que, além de sua atribuição cambiária, possui também a função social de financiamento da produção rural brasileira. O legislador, ao aprovar a Lei nº 8.929/94, o fez no intuito de outorgar ao investidor segurança jurídica e econômica na aquisição de produtos rurais antes mesmo de que estes tenham sidos plantados e/ou produzidos, a fim de que, desta forma, substituísse o Estado no financiamento da atividade agrícola.
Este intuito foi atingido com sucesso em virtude da reiterada confirmação jurisprudencial dos ditames assecuratórios da Lei nº 8.929/94, fomentando a atividade agrícola.
Neste cenário, o legislador foi sensível ao estabelecer, no artigo 18 da Lei nº 6.929/94, que os bens vinculados à CPR não serão penhorados ou seqüestrados por conta de outras dívidas do emitente do título, assim dispõe o artigo:
“Art. 18. Os bens vinculados à CPR não serão penhorados ou seqüestrados por outras dívidas do emitente ou do terceiro prestador da garantia real, cumprindo a qualquer deles denunciar a existência da cédula às autoridades incumbidas da diligência, ou a quem a determinou, sob pena de responderem pelos prejuízos resultantes de sua omissão.”
O ilustre jurista Arnoldo Wald, em artigo publicado na Revista de Informação Legislativa e disponibilizado no site do Senado Federal , tece comentários acerca da impenhorabilidade dos bens vinculados à CPR:
“Já o artigo 18 do diploma legal confere privilégio especial aos credores garantidos de CPRs, pois estabelece que os bens a elas vinculados “não serão penhorados ou seqüestrados por outras dívidas do emitente ou do terceiro prestador da garantia real”, cabendo a estes comunicar tal vinculação a quem é de direito.
É verdade que, se a “outra dívida” for anterior à emissão da CPR, a própria constituição da garantia real poderá ter resultado numa fraude contra credores, numa fraude a execução, ou mesmo numa garantia real de segundo grau, se outra já houvesse. Em tais hipóteses, a garantia cedular poderá ser desconstituída ou declarada ineficaz pelas vias cabíveis, ou mesmo simplesmente se esvaziar (no caso de uma segunda hipoteca, não sobrando recursos depois de paga a primeira).
Do contrário, o privilégio é dos mais amplos, configurando hipótese de impenhorabilidade por outras dívidas. A impenhorabilidade não pode ser considerada absoluta, tal como naqueles casos do artigo 649 do Código de Processo Civil, pois os bens são penhoráveis pela própria dívida decorrente da CPR. Trata-se, assim, de impenhorabilidade relativa.
Em tese, não obstante, tendo em vista os termos do artigo 184 do Código Tributário Nacional, que reconhece os privilégios especiais instituídos por lei sobre determinados bens, os bens vinculados à CPR não responderão por dívidas tributárias dos garantes (ressalvadas, eventualmente, as hipóteses aventadas acima, de dívidas anteriores à constituição da garantia).
(...)
O Código de Processo Civil, no art. 649 e seus incisos, define os bens que considera absolutamente impenhoráveis, em qualquer tipo de execução. Como salientamos, na hipótese dos bens vinculados à CPR há uma impenhorabilidade relativa, na medida em que os bens respondem pela própria dívida da CPR. Não obstante, com relação às demais dívidas, a impenhorabilidade passa a ser absoluta.”
Invocando o conceito de interesse público articulado no início deste tópico, o eminente jurista leciona que “os próprios tribunais reconhecem que os bens dados em garantia cedular industrial ou rural (e por extensão, aqueles vinculados à CPR) são impenhoráveis em virtude de lei, ou seja, do interesse público de estimular essas modalidades de crédito”, e finaliza invocando julgado do 1º Tribunal de Alçada Cível de São Paulo, o qual teve o ensejo de afirmar que “os bens objeto de penhor ou de hipoteca constituídos por cédula de crédito rural são absolutamente impenhoráveis e representam verdadeira garantia exclusiva do credor”
Esse é o entendimento também do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que para exemplificar podemos incluir o julgado da Décima Câmara Cível, no acórdão abaixo:
EMENTA: EMBARGOS DE TERCEIRO EM EXECUÇÃO POR TÍTULO EXTRAJUDICIAL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. Formalizada e devidamente registrada a Cédula de Produto Rural, os bens que lhe são vinculados não podem ser penhorados ou seqüestrados por outras dívidas do emitente ou do terceiro prestador da garantia real. Inteligência do art. 18 da Lei n.º 8.929/94. Caso em que não houve alegação de conluio entre a credora pignoratícia e o devedor. Na presença de direitos distintos sem o privilégio pignoratício ou hipotecário, favorece ao credor que formaliza a penhora o direito de haver os bens à satisfação de seu crédito. Negaram provimento a ambos os recursos. Unânime. (Apelação Cível Nº 70008946055, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em 12/08/2004)
Nesse sentido, leva-nos ao debate quanto à aplicabilidade frente a dívidas, do emitente referente a débitos trabalhistas e tributários, que possuem um tratamento diferenciado, assim passamos a analisar essa impenhorabilidade quando existirem essas hipóteses.
A impenhorabilidade estabelecida em favor dos bens vinculados à CPR foi veiculada em Lei Específica, sobrepondo-se, pois, à norma geral do privilégio trabalhista. Do exame do mencionado artigo 18, podemos tecer essas considerações: A impenhorabilidade decorre de Lei formalmente capacitada para tanto. Refere-se à impenhorabilidade frente a quaisquer outras dívidas, não ressalvando sequer dívidas de natureza trabalhistas e tributárias. Se o legislador tivesse a intenção de invocar exceções, teria expressado no corpo do texto, como, por exemplo, constou da Lei nº 8.009/90 .
Dessa forma, o Mestre Arnoldo Wald leciona que, mesmo frente a dívidas trabalhistas, os bens vinculados à CPR permanecem impenhoráveis:
“Quanto às dívidas trabalhistas, o artigo 769 da CLT, combinado com o artigo 648 do Código de Processo Civil, leva a crer que a solução é idêntica. Os bens tampouco responderão por tais dívidas.
Essa impenhorabilidade configura mais um estímulo ao emprego da CPR, pois uma vez mais o legislador teve a nítida preocupação de resguardar o credor, reforçando a segurança de suas garantias.”
Conforme cita o eminente jurista, o. STF “afirmou a taxatividade do comando legal do Decreto-Lei nº 167/67, no sentido de que os bens objeto de penhor ou hipoteca cedular rural não se sujeitam a penhora por nenhuma outra dívida. O Relator, Ministro Francisco Rezek, citando acórdão anterior da lavra do Ministro Moreira Alves, sustentou com todas as letras que “a lei é imperativa no sentido da impenhorabilidade dos bens dados em garantia hipotecária ou pignoratícia mediante cédula de crédito rural”
Em outro aresto paradigmático, o. STF esclareceu a natureza de tal impenhorabilidade e as razões que a sustentam:
“Com efeito, trata-se de impenhorabilidade estabelecida para assegurar o êxito da política financeira do governo, no prol do desenvolvimento agrícola e industrial do país. Com ela, efetivamente, buscou-se, a um só tempo, propiciar aos profissionais desses setores maior facilidade para a captação dos recursos indispensáveis à implantação de seus projetos, e às agências financeiras, em contrapartida, maior segurança quanto ao retorno dos recursos carreados para atividades tão úteis quanto aleatórias.
Essa, indubitavelmente, a ratio legis.
(...)
O privilégio que resulta da garantia, em favor do credor cedular, consiste, como se sabe, no direito de prelação, que se concretiza no fato de pagar-se prioritariamente com o produto da venda judicial do bem objeto da garantia excutida, em face de insolvência ou de descumprimento do contrato, destinado eventual excesso aos demais credores, que a ele concorrerão pro rata.
Aí, o tratamento legal discriminatório não pode ser apodado de antiisonômico, já que justificado pela existência da garantia real que reveste o crédito privilegiado. Correto, pois, o entendimento consagrado no acórdão recorrido, no sentido de que a impenhorabilidade instituída pelos dispositivos legais sob apreciação, a exemplo do que ocorre com privilégios, da mesma natureza, previstos em diplomas legais outros, não caracteriza ofensa aos princípios constitucionais invocados.”
Finalmente, inclusive, perceba-se que mesmo que não houvesse a disposição do artigo 18 da Lei nº 6.929/94, não existe juízo falimentar e, portanto, não existe privilégio, conforme passamos a articular.
Pois bem, o dispositivo legal que ampara tal entendimento muitas vezes equivocado é o artigo 449 da CLT, o qual tem sua aplicação limitada à hipótese de falência, como abaixo transcrito:
“Art. 449 - Os direitos oriundos da existência do contrato de trabalho subsistirão em caso de falência, concordata ou dissolução da empresa.
(...)
§ 1º - Na falência constituirão créditos privilegiados a totalidade dos salários devidos ao empregado e a totalidade das indenizações a que tiver direito.”
Não havendo falência, não há o que se falar de privilégio dos créditos trabalhistas, conforme já se manifestou o novamente citado jurista Arnoldo Wald:
“Acresce, no particular, que o § 1º do artigo 449 da CLT apenas fala em privilégio do crédito trabalhista em matéria de falência, mas não nas execuções em geral.”
Dessa forma percebemos o crédito trabalhista não poderia ter preferência frente aos bens vinculados em CPR pelo disposto no artigo 18 da Lei 8.929/94, muitas vezes não é esse o entendimento dos magistrados, alegando que a impenhorabilidade de que trata esse dispositivo legal não é absoluta, alegando que somente quando a Lei trate de impenhorabilidade absoluta é que constitui óbice à penhora para a satisfação do crédito trabalhista, alegando muitas vezes o princípio da ordem pública.
Essa interpretação também é muito utilizada por juízes que costumam favorecer o fisco em suas decisões, acreditando resguardar o interesse coletivo e pelo mesmo argumento de que a impenhorabilidade tratada pelo artigo 18 da Lei 8.929/94 não é absoluta, assim o Superior Tribunal de Justiça, assim vem confirmando em suas decisões .
Nesse sentido percebemos que o Poder Judiciário dessa forma, presta um desserviço ao que se buscou estabelecer com a promulgação da Lei, que instituiu a Cédula de Produto Rural em 1994, pois o legislador ao criar a CPR o fez para fomentar o agronegócio brasileiro, no entanto o que percebemos com tais decisões é o desestimulo a utilização de tal instrumento.
A utilização da CPR constata-se em um aliado do Estado, pois fortalece um setor de fundamental importância para o desenvolvimento da economia com recursos privados, retirando assim do Estado o papel de principal e único meio de fomento para esse setor, como ocorreu em certa época e que não foi eficiente para a ampliação da produção primaria.
Diante dessa realidade ao credor resta a análise mais criteriosa referente a informações sobre eventuais execuções de dívidas tributarias ou trabalhistas que o emitente possa estar sendo executado, para haver uma maior tranqüilidade do recebimento dos produtos agropecuários comprados através da Cédula de Produto Rural.

5. Caso fortuito, força maior e evicção

O artigo 11 da Lei 8.929/94 é expresso ao determinar que “Além de responder pela evicção, não pode o emitente da CPR invocar em seu benefício o caso fortuito ou de força maior”, assim o emitente não pode alegar em seu benefício essas situações para furtar-se à obrigação de entregar ao comprador no tempo, local e condições o produto rural.
O instituto da evicção em negócios jurídicos onerosos é sempre suportado pelo alienante, pois o comprador de boa-fé não pode prever fatos que não conhece sobre os bens comprados e alienados pelo emitente, assim o artigo 447 do Código Civil já enuncia.
As condições de mercado e flutuações de demanda e oferta que estabelecem os indicadores em todos os setores da economia, o setor primário convive com fatores climáticos, onde em determinados períodos as perdas de produtividade são relevantes e irreversíveis, comprometendo a produção agrícola e pecuária.
Dessa forma o artigo 11 da Lei da CPR traz a baila uma questão polêmica, pois há autores que referenciam que essa realidade, proporcionada por fatores adversos causando frustrações não podem ser ignoradas, quer pelo emitente, quer pelo comprador do produto rural.
Assim o agrarista Lutero de Paiva Pereira destaca:
“Nos casos em que a força maior efetivamente impede o cumprimento da entrega prometida pela CPR, como quando ocorrem perdas decorrentes de fatores climáticos e que retiram qualquer possibilidade de o emitente da Cédula entregar o bem prometido, não só porque sua própria lavoura pereceu mas também aquelas que lhe são próximas, o preceito em exame deve merecer redobrado estudo do aplicador da lei.
(...)
Ligada diretamente à atividade campesina, a Lei 8.929/94, com introdução que lhe fez a Lei 10.200/01, se propõe direta ou indiretamente, proteger o setor produtivo primário, visto que dele dependem, em grande escala, o bem-estar do país, a paz social e a ordem pública consoante acima destacado. Desta forma, quando há frustração de safra, retirando do emitente da CPR a condição de cumprir a promessa de entrega do produto rural ou, do emitente da CPRf a condição de adimplir a obrigação, o título deverá ter seu vencimento reprogramado de acordo com a nova capacidade de pagamento do produtor rural, para evitar que ele tenha que alienar outros bens (móveis, imóveis, semoventes) visando o cumprimento do contrato.”
Percebemos que os princípios inerentes aos contratos agrários são utilizados por vários agraristas, aduzindo para tal que o comprador/credor da Cédula de Produto Rural não pode se furtar sobre a consideração do caso fortuito ou de força maior para que o emitente possa entregar o produto em safra posterior em que os fatores climáticos forem favoráveis a produção.
Assim chega-se a uma discussão que podemos avaliar diversas posições, pois o regramento é expresso ao dizer que o emitente não pode invocar em seu benefício o caso fortuito ou de força maior.
Vejamos a posição do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CÉDULA DE PRODUTO RURAL. CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR NÃO CONFIGURADOS. MULTA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. MANUTENÇÃO. O art. 11 da lei 8.929/1994 é expresso ao vedar a invocação do caso fortuito e força maior por parte do emitente da cédula de produto rural. No caso dos autos, tais hipóteses sequer poderiam ter sido invocadas, porquanto o título executado inequivocamente foi firmado após o incêndio apontado como causa excludente da responsabilidade, havendo verdadeira assunção de um risco por parte dos devedores que emitiram um título acreditando que receberiam a indenização por parte do seguro e que, com isso, poderiam adimplir a obrigação contraída, o que não se verificou. As circunstâncias em que opostos os embargos evidenciam muitas hipóteses aptas a justificar a penalidade imposta na instância ordinária e que, a despeito do sustentado, vão além daquelas indicadas pela magistrada sentenciante. Negado provimento ao recurso e mantida a sentença de improcedência dos embargos à execução. (Apelação Cível Nº 70021205539, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cláudio Baldino Maciel, Julgado em 25/10/2007)
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CÉDULA DE PRODUTO RURAL. OCORRÊNCIA DE SINISTRO. FORÇA MAIOR. I ¿ REJEIÇÃO LIMINAR DOS EMBARGOS com base no art. 739, inc. III do CPC, com redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006. II ¿ CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR. CÉDULA DE PRODUTO RURAL. A Lei nº 8.929/94, art. 11, expressamente preceitua que o emitente responde por evicção e não pode invocar em seu benefício caso fortuito ou de força maior. III - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ mantida. Pretensão contra texto expresso de lei. APELO IMPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70019928993, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Helena Ruppenthal Cunha, Julgado em 04/07/2007)
EMENTA: MEDIDA CAUTELAR DE BUSCA E APREENSÃO RECEBIDA COMO ARRESTO. CÉDULAS DE PRODUTO RURAL. GARANTIA PIGNORATÍCIA. 1.
(...)
3. A ocorrência de estiagem não exime o devedor da obrigação assumida, pois não configura evento totalmente imprevisível e, ainda, porque assim prevê expressamente o art. 11 da Lei nº 8.929/94.. Agravo de instrumento desprovido. (Agravo de Instrumento Nº 70019598028, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Voltaire de Lima Moraes, Julgado em 06/06/2007)
EMENTA: EMBARGOS À EXECUÇÃO. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. CARÁTER PROTELATÓRIO. ART. 741, III, CPC, COM REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.382/2006. ALEGAÇÃO DE CASO FORTUITO. CÉDULA DE PRODUTO RURAL EMITIDA APÓS O SINISTRO. IMPEDIMENTO LEGAL. ART. 11 DA LEI 8.929/94. Hipótese em que se mostra cabível a rejeição liminar dos embargos à execução, com fulcro no art. 741, III, do CPC, com a redação dada pela Lei 11.382/2006, ante a ausência de suporte fático ou jurídico a fundamentar a presente ação impugnativa. Parte que alega impossibilidade de cumprimento da obrigação em razão de sinistro (incêndio) verificado após a emissão das Cédulas de Produto Rural ¿ CPR. Ademais, a legislação de regência (Lei 8.929/94) expressamente determina a impossibilidade de invocar o emitente, em seu benefício, a ocorrência de caso fortuito ou força maior, sendo justamente este o fundamento dos presentes embargos. Apelo improvido. (Apelação Cível Nº 70018545327, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Antônio Kretzmann, Julgado em 24/05/2007)
Verificamos então que o dispositivo legal em questão resta pacífico na jurisprudência, restando assim caso ocorra estiagem, incêndio ou qualquer outro evento danoso que poderia justificar o não cumprimento da Cédula, somente com a anuência do comprador/credor poderíamos aceitar a hipótese de o produtor rural eximir-se com sua obrigação.
Ocorre que muitas vezes, como já destacamos anteriormente, o comprador ao realizar uma operação de compra de produto rural, já atrela essa pretensão futura de receber o produto com uma venda nos mercados de mercadorias e futuro.
Portanto vejamos que o regramento do artigo 11 da Lei 8.929/94 existe com o intuito de não engendrar as engrenagens da economia, pois conforme vimos o comprador pode já ter atrelado a compra a outro negócio jurídico, ocorrendo uma frustração de diversos outros negócios caso não receba o produto.
A impossibilidade de o emitente invocar em seu benefício o caso fortuito ou de força maior representa um verdadeiro estímulo a contratação de seguro rural, que é destacado como um dos mais importantes instrumentos do produtor primário. Pois permite a proteção contra perdas decorrentes principalmente de fenômenos climáticos adversos, cobrindo a atividade agrícola e pecuária.

6. Inadimplemento e o processo judicial.

Quando o emitente/devedor não realiza a entrega do produto rural conforme convencionado na Cédula de Produto Rural autoriza o comprador/credor a executar o título sob o procedimento da ação de execução para entrega de coisa incerta, conforme dispõe o artigo 15 da Lei 8.929/94.
O Código de Processo Civil no artigo 629 dispõe que “Quando a execução recair sobre coisas determinadas pelo gênero e quantidade, o devedor será citado para entregá-las individualizadas, se lhe couber a escolha; mas se essa couber ao credor, este a indicará na petição inicial.”. Assim a classificação legal de coisas determinadas pelo gênero e quantidade encontra guarida no artigo 85 do Código Civil.
Proposta a execução de coisa incerta, citado o devedor este deverá entregar o produto que vendeu em momento anterior conforme as especificações da CPR, tem-se aí a importância de caracterizar o produto de forma criteriosa, pois se na cédula o produto não for bem caracterizado o devedor poderá entregar o bem fungível com baixa qualidade.
Muitas vezes o devedor alega que o credor/exeqüente não realiza prova do pagamento da compra e venda através da CPR, ocorre que conforme já vimos antes, por tratar-se de uma cártula, com todos os seus requisitos, o que nela consta já é suficiente para a pretensão executiva.
Portanto não se faz necessário que o exeqüente prove que o pagamento fora realizado, pois a cédula é um título líquido, certo e exigível pela quantidade de produto nela previsto, configurando a não obrigatoriedade de provar o pagamento para demandar em juízo.
Caso o executado não disponha do produto ou este foi insuficiente para adimplir com a obrigação, segue-se o processo do art. 627 do Código de Processo Civil e, apurado o seu valor, mais perdas e danos, assim é convertida a execução para entrega de coisa incerta em execução por quantia certa.
Dessa forma o valor que será convertida a ação deverá observar a cotação do produto na data do vencimento da obrigação, conforme precedentes jurisprudenciais que veremos abaixo:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CÉDULA DE PRODUTO RURAL. Admite-se a conversão da execução para entrega de coisa incerta em execução por quantia certa devendo, no caso concreto, a cotação da soja ser adotada na data do vencimento da obrigação. MULTA CONTRATUAL. Mantença da multa moratória em 2%, face à resignação do exeqüente ora embargado, que não recorre da atenuação da pena, conforme determinado na sentença. JUROS MORATÓRIOS. Percentual de 12% ao ano que não se afigura abusivo. Possibilidade de CAPITALIZAÇÃO MENSAL dos juros, em razão do disposto na Súmula 93, STJ. Determinação de compensação dos honorários advocatícios (Súmula 306, STJ), confirmada. APELAÇÃO DOS EMBARGANTES DESPROVIDA. PROVIDO, EM PARTE, O RECURSO DA EMBARGADA. (Apelação Cível Nº 70018795310, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Maria Nedel Scalzilli, Julgado em 04/07/2007)

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CÉDULA DE PRODUTO RURAL ¿ CPR. COTAÇÃO DO PRODUTO. Na conversão da execução para entrega de coisa incerta para execução por quantia certa a cotação do trigo a ser adotada deve ser a data do vencimento da obrigação. MULTA CONTRATUAL. Não sendo aplicáveis as disposições do Código de Defesa do Consumidor ao caso dos autos, subsiste a multa moratória de 10%, como pactuada. JUROS MORATÓRIOS. Percentual de 12% ao ano que não se afigura abusivo. Apelo provido, em parte. (Apelação Cível Nº 70016930364, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Bayard Ney de Freitas Barcellos, Julgado em 23/05/2007)

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA INCERTA. CONVERSÃO PARA EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA. CÉDULA DE PRODUTO RURAL. VALOR DO PRODUTO CORRESPONDENTE COM O DIA DO VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO. AGRAVO PROVIDO DE PLANO, FORTE NO ARTIGO 557, §1º-A, CPC. (Agravo de Instrumento Nº 70016441222, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rubem Duarte, Julgado em 14/08/2006)
Dessa forma o prosseguimento da ação passa ao rito da execução de quantia certa, contra o devedor solvente, assim será fixado o valor da execução e de acordo com a possibilidade dos bens penhoráveis do executado será satisfeita a obrigação.

7. Conclusões.

Conforme analisamos, a Cédula de Produto Rural, instituída pela Lei n°. 8.929/94 é uma importante alternativa para a capitalização de recursos provenientes da iniciativa privada para o produto rural, representando uma promessa de entrega do produto mediante o pagamento do preço no momento da emissão da cédula.
A CPR foi expressamente dirigida aos produtores rurais, associações e cooperativas, ou seja, quem realmente realiza a produção primária, o principal objetivo da Lei foi lançar novas alternativas para o produtor capitalizar-se, sendo que esse objetivo foi alcançado em sua plenitude.
Esse estímulo ao crédito foi de fundamental importância para o crescimento da agropecuária brasileira, podemos indicar como prova do desenvolvimento do setor é a cifra de R$ 383,5 milhões em negócios gerados pela Expointer 2008, entrando para a história como sendo a maior até então, com tendência de crescimento para os próximos anos.
Dessa forma vimos que o incentivo ao crédito privado somente foi possível pelo fato de a Cédula de Produto Rural ser representativa de um título certo, exigível pela quantidade e qualidade de produto nela previsto, dessa forma propiciando um processo judicial com procedimentos simplificados, pois como a cártula que representa o direito esta descrito nela.
Também outros fatores ajudaram a difundir a CPR, um deles é o tipo de garantias que podem ser lançadas nela, gerando assim maior segurança jurídica ao comprador.
O emitente pode organizar melhor seu empreendimento, pois consegue comercializar sua atividade antes mesmo de ser plantada, gerando assim a certeza da lucratividade, no setor primário que é quase sinônimo a incerteza da cotação do produto rural num futuro próximo.
O comprador atrela essa compra futura de produto com outros negócios, fazendo com que as engrenagens da economia girem de forma mais significativa, gerando assim mais riquezas e divisas para o país.
Outro fator que é inerente da agropecuária é o clima, onde muitas vezes a estiagem ou outro fenômeno natural, arrasam lavouras e toda uma atividade desenvolvida numa região inteira, assim a Cédula de Produto Rural, ao estabelecer que o emitente não possa invocar essas situações para o seu benefício, estimula dessa forma a contratação de seguro rural por parte do produto agropecuário.
Estabelece garantias fortes e dispositivos firmes para não incentivar o inadimplemento, como é o caso do artigo 17 da Lei da CPR e o dispositivo seguinte que trata da impenhorabilidade dos produtos vinculados a cártula, tudo isso para que o emitente, mesmo quando o preço do produto que tenha vendido numa cotação baixa, não se iluda que a via judicial poderia ser uma alternativa lucrativa.
Portanto o procedimento judicial será a execução ara entrega de coisa incerta e caso não seja possível a busca do produto vinculado na Cédula ou se não foi suficiente para satisfazer a obrigação, a execução é convertida para execução de quantia certa, fazendo-se a conversão do valor da cotação com a data de vencimento do título.
Assim, o micro-sistema da Cédula de Produto Rural atinge suas expectativas que o Legislador pretendeu com sua elaboração, quatorze anos após sua promulgação concluímos que ainda possui dispositivos que podem ser aprimorados, no entanto os benefícios que já proporcionou ao agronegócio brasileiro confirmam por sua tendência de crescimento acelerado.


REFERÊNCIAS

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BARROS, Wellington Pacheco. O contrato e os títulos de crédito rural – Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2000.

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BRASIL. Código de processo civil e legislação processual em vigor / Theotonio Negrão e José Roberto Ferreira Gouvêa. 37. Ed. atual. até 10 de fevereiro de 2005. – São Paulo : Saraiva, 2005.

BRASIL, Francisco de Paula Eugênio Jardim de Souza. Títulos de crédito: o novo código civil – questões relativas aos títulos eletrônicos e do agronegócio – Rio de Janeiro : Forense, 2006.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil – 12ª Ed. rev. E atual. de acordo com a Lei n. 11.441/2007 – Rio de Janeiro : Lúmen Júris, 2007.

COELHO, José Fernando Lutz. Contratos agrários: uma visão neo-agrarista – Curitiba : Juruá, 2006.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, 3º volume: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais – 22. Ed. ver. e atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002) e o Projeto de Lei n. 6.960/2002. – São Paulo : Saraiva, 2006.

DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos, volume 5 – 5. Ed. ver., ampl. E atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002) – São Paulo : Saraiva, 2003.

FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Manual de direito comercial – 7. Ed. – São Paulo : Atlas, 2006.

GOYOS JÚNIOR, Durval de Noronha. Direito do agronegócio internacional / Noronha, Boni & Bratz – São Paulo : Observador Legal, 2007.

MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil, volume 3 : execução – São Paulo : Revista dos Tribunais, 2007.

PEREIRA, Lutero de Paiva. Comentários à lei da cédula de produto rural. 3ª edição. Curitiba: Juruá, 2005.

PEREIRA, Lutero de Paiva. Securitização e crédito rural – Curitiba : Juruá, 1997.

PEREIRA, Lutero de Paiva. Crédito rural, questões controvertidas - Curitiba : Juruá, 1995.

WALD, Arnoldo, Revista de Informação Legislativa, Brasília a. 34, n. 136, out./dez. 1997, págs. 237 a 251

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Novos padrões de financiamento e de custos na agropecuária

Novos padrões de financiamento e de custos na agropecuária

As transformações da agricultura, ao alterar a dinâmica agropecuária, modificam, de forma profunda, não apenas o conteúdo do processo produtivo pela revolução dos meios de produção, mas também a construção dos parâmetros de avaliação da eficiência econômica e da rentabilidade. A proliferação de diferentes operações entre agentes em cada fase do processo produtivo implica em relações contratuais e, com isso, na construção de diversos mecanismos de financiamento.
Da mesma maneira que as inovações agronômicas e gerenciais produzem novas práticas de tomada de decisão, há necessidade de aprimoramento dos conceitos e dos procedimentos utilizados na construção de indicadores e, dentre eles, os custos das atividades agropecuárias.
A agropecuária, que na realidade original compreendia praticamente toda a agricultura, passa progressivamente a perder participação na formação do produto setorial, com a emancipação progressiva de tarefas produtivas que geraram as agroindústrias de insumos e máquinas e de processamento de matérias-primas e de alimentos. Uma imensa gama de agroindústrias e agro-serviços passa a configurar a agricultura, que ampliou as fronteiras de reprodução do capital para mais além da agropecuária1. Com isso, gerou, mais que a troca de produtos entre a agropecuária e os demais segmentos da agricultura, a compra de fatores que impulsionam a própria produção no campo.
Ademais, ocorre relevante mudança na configuração espacial da agricultura. Agroindústrias e agro-serviços, localizados a montante ou colocados a jusante da agropecuária, encontram-se em regiões distintas, o que aumenta a amplitude territorial das relações de troca envolvidas na mesma cadeia de produção da agricultura.
As mudanças produtivas, portanto, suplantam o localismo dos bairros rurais e mesmo da pequenas cidades, mais que rompendo com os limites antes impostos pelas cercas e porteiras da fazenda. Nesse processo, as culturas passaram progressivamente a configurar cadeias de produção, na medida em que elementos externos à agropecuária passaram a determinar a rentabilidade desse segmento das lavouras e criações da agricultura.
Com isso, surgiu a necessidade da estruturação de indicadores que permitissem a avaliação da rentabilidade dos empreendimentos, expressos em custos de produção que contabilizassem os imputs em termos de insumos e máquinas utilizados nas lavouras e criações. E a construção dessas cadeias de produção, enquanto espaços da reprodução ampliada do capital, necessariamente conduz as relações de troca para espaços territoriais mais abrangentes.
Na condição original das culturas, não fazia muito sentido o conceito de custo de produção, que era desprezível na remuneração de fatores obtidos na compra de elementos externos ao campo, dada a condição quase autárquica da agropecuária, com a produção derivada quase que exclusivamente dos recursos naturais e do emprego de mão-de-obra reproduzida nas fazendas (familiar ou escrava). Dessa maneira, nessa condição de reprodução simples do capital, a renda obtida da venda de excedentes agropecuários configurava quase que exclusivamente a renda líquida, remunerando os recursos naturais utilizados e o emprego de mão-de-obra.
A construção das cadeias de produção produz a especialização produtiva, com a agropecuária concentrando-se progressivamente em lavouras e criações para o atendimento da demanda das agroindústrias processadoras. Também produz a profissionalização da agropecuária de cujos custos depende a competitividade de toda a cadeia de produção. Neste caso, torna-se fundamental a idéia de custos de produção não apenas para mensurar a rentabilidade da produção agropecuária, verificando a sustentabilidade produtiva face aos patamares de preços, como também para o gerenciamento de conflitos e disputas entre os agentes produtivos envolvidos. Estes, mais que os agropecuaristas, envolvem agora traders (comerciantes) e agroindustriais.
Ao mergulhar na realidade brasileira e colocar essa discussão no horizonte temporal, deve se levantar a questão das mudanças no padrão de financiamento que está intimamente ligada a mudanças produtivas das culturas para as cadeias de produção. A generalização do uso de insumos e máquinas no denominado processo de modernização da agropecuária deu-se com maior intensidade a partir da metade dos anos 1960, com a implantação e a generalização da política agrícola brasileira centrada principalmente no crédito rural subsidiado2.
Dois instrumentos fundamentais foram utilizados nas políticas públicas nacionais - o crédito rural subsidiado e os preços mínimos - para o que os custos de produção passam a ser indicadores fundamentais tanto para a fixação dos Valores Básicos de Custeio (VBC) quanto para a definição dos pisos de preços fixados como mínimos em cada safra. Em função disso, foi a gestão das políticas públicas que impulsionou a construção de diversos modelos de aferição dos custos de produção, mais que avanços relevantes no uso da contabilidade agropecuária.
No Instituto de Economia Agrícola (IEA), os primeiros custos de produção para as lavouras e criações agropecuárias surgem de forma sistemática nos anos 19603. A evolução dos mecanismos de aferição dos custos e das próprias exigências de padronização, de maneira que fosse garantida a análise comparada entre atividades, regiões e padrões tecnológicos, levou à consolidação da sistemática de cálculo de custo de produção do IEA na metade dos anos 1970. Esta foi baseada nos conceitos de custo operacional efetivo (COE) e custo operacional total (COT), firmando procedimentos de aferição que, com pequenas adaptações, vêm sendo mantidos pela instituição até os dias atuais4.
O modelo do IEA passa a ser referência principal nas discussões setoriais e nas decisões políticas delas decorrentes, dentre as diversas formas de construção das estimativas de custos de produção e em função do debate sobre as variáveis que deveriam compor sua estrutura, enquanto indicador das despesas produtivas agropecuárias. Daí ser fundamental firmar-se a elevada magnitude dessa contribuição institucional.
Nessa concepção de custo de produção, a estimativa de indicadores representativos buscava a definição dos denominados padrões tecnológicos modais, que permitiam uma aproximação consistente da realidade e, com isso, inferências seguras para as decisões de políticas públicas. Além disso, podia ser usada como referência importante para os agropecuaristas tomarem a decisão de plantio ou de comercialização da safra.
Na vigência da política de crédito rural dos anos 1970, os preços dos insumos e máquinas eram conhecidos porque eram publicados em diversas tabelas de preços. E as exigências financeiras eram determinadas pelo volume de crédito tomado a taxas de juros fixas e negativas (barateadoras de insumos e máquinas).
Tome-se o padrão tecnológico, que permitia definir o uso de insumos. Os valores dos custos operacionais por unidade de área não diferenciavam de forma significativa nem os preços dos insumos e máquinas numa dada praça. Além disso, o custo do dinheiro era dado, pois as taxas de juros e as condições de financiamento eram amplamente conhecidas, uma vez fixadas e divulgadas pela política oficial de crédito rural. Tendo ido ao banco e tomado crédito, enquanto consumidor, o agropecuarista era um demandante de insumos e máquinas e senhor do negócio.
Ainda que o uso da tecnologia moderna fosse uma contingência do acesso ao crédito rural, o agropecuarista escolhia de forma livre seus fornecedores e definia o uso de quais insumos e quais máquinas iria adquirir.
Essa situação viria a ser dramaticamente alterada com o fim da política de crédito farto e barato com juros negativos no final dos anos 1970. O dinheiro mais caro passa a impulsionar, de um lado, o aumento da produtividade dos insumos e, de outro, a construção de mecanismos de financiamento que garantissem a continuidade operacional das cadeias de produção agropecuárias.
Após ter sido introduzida operacionalmente na lógica bancária pelo acesso ao crédito rural subsidiado, a agropecuária dentro das cadeias de produção passa a operar com base em contratos de venda antecipada de safra (contratos de soja verde, contratos de aquisição de insumos prazo safra, etc.). Dessa maneira, os demandantes de matérias-primas (agroindústrias processadoras e traders) e os ofertantes de insumos (agroindústrias de fertilizantes e agroquímicos) poderiam continuar operando suas plantas produtivas.
Essa sistemática contratual interna às cadeias de produção agropecuária, em especial no segmento de commodities, evoluiu para a financeirização da produção com a emergência dos títulos financeiros a partir do lançamento da Cédula de Produto Rural em 1995, ainda como CPR-física, tornada CPR- financeira em 2000. Trata-se da construção de um novo padrão de financiamento cujo lastro foi a formação das teias de agronegócios pela proliferação de contratos nos diversos elos das cadeias de produção5.
Esse processo irreversível, numa economia aberta operando com câmbio flutuante num mundo globalizado, caminha para a inserção plena não apenas da agropecuária mas também de toda a agricultura na lógica do capitalismo financeiro. Isto exige a ampliação dos mecanismos de gerenciamento de riscos de preços com base em operações de hedge em bolsas de mercadorias.
Sem aprofundar na discussão da agricultura inserida no mercado financeiro enquanto uma agricultura de contratos, é essencial entender como a construção das teias de agronegócios torna impróprias as concepções de custos de produção. Ainda que do ponto de vista conceitual sejam aceitas as definições de custos variáveis, custos fixos, custos médios, há que se pensar na imensa dificuldade de construir indicadores de custo de produção por unidade de produto lançando mão dos expedientes de estimativa a partir dos padrões tecnológicos modais. Esses procedimentos eram compatíveis com a idéia de dinheiro farto e barato em que o agropecuarista escolhia o insumo, sustentado numa condição de crédito bancário aprovado que o permitia operar todo o processo produtivo.
Com dinheiro escasso e mais caro, tornam-se fundamentais os diferenciais de custos de acesso aos insumos, mais que a sua produtividade. Assim, quase sempre firma-se, para cada insumo (ou conjunto de kits dos mesmos), um contrato específico com a empresa fornecedora, escolhida em função das condições de financiamento oferecidas ao agropecuarista adquirente.
As estratégias de vendas das empresas de sementes e agroquímicos implicam em oferecer diferentes vantagens para que o agropecuarista adquira o pacote de seus produtos, levando este a uma prática de decisão econômica que pode ser descrita como “comprar financiamento”6. A mesma condição se dá nas negociações contratuais de venda antecipada.
O custo médio do dinheiro, assim, varia com a capacidade de financiamento próprio; com a credibilidade junto a fornecedores de insumos que configura diferentes e específicas vantagens no financiamento dos negócios; com a fidelidade a um comprador (trader ou agroindústria) que define o patamar de preços nas vendas antecipadas e com a magnitude do uso do hedge para proteger-se contra as variações de preços.
Noutras palavras, ocorre uma variabilidade de condições financeiras tão ampla para um mesmo padrão tecnológico (e ocorreu uma significativa homogeneização entre as principais commodities), em função dos inúmeros contratos e dos distintos perfis de agropecuaristas, que não tem mais sentido o procedimento de buscar definir um padrão modal que permita calcular o respectivo custo de produção. Há maior similaridade entre estruturas de custos da mesma operação produtiva em diferentes atividades que entre distintos agropecuaristas na mesma atividade.
E as diferenças entre os distintos arranjos financeiros podem ser mais relevantes para a rentabilidade do empreendimento que as diferenças de resposta entre a diversidade de insumos disponível. Ou seja, a tecnologia de ponta, envolvendo variedades de alta resposta e aqroquímicos de elevada eficiência, propicia uma convergência da produtividade da terra.
Os juros e as condições de pagamento envolvidos nessas transações fazem da inovação financeira o elemento diferenciador dos desempenhos. Os próprios preços dos insumos dispostos nas tabelas não podem ser usados como indicadores efetivos de custos unitários. São meras referências para as negociações, ao envolver descontos e condições de pagamentos diferentes segundo cada cliente em função de sua fidelidade, da escala de seus negócios e da capacidade de honrar compromissos financeiros.
Nessa realidade, o custo de cada operação torna-se cada vez mais relevante para a decisão gerencial dos agropecuaristas do que o custo total de produção de seu produto, uma vez que cada contrato (formal ou não) deve ser gerenciado individualmente. Assim, há que serem repensados os indicadores de rentabilidade agropecuária.
O resultado final da negociação contratual de cada operação em particular, ao permitir comparar de forma precisa as condições oferecidas pelos distintos fornecedores, faz com que o agropecuarista, que cada vez mais assume a feição de gerente financeiro, fragmente sua estrutura de custos, definindo-a para cada contrato firmado (sementes, agroquímicos, etc). Isto implica na necessidade de redesenho dos mecanismos de aferição de suas despesas diretas na produção.
Esse gerente financeiro ganhará cada vez mais pela maximização dos ganhos financeiros nos diferentes negócios com fornecedores e clientes e, principalmente, pelas vantagens obtidas nas operações de “compra de financiamento”. Assim, urge que sejam aprimoradas as concepções de custos agropecuários, de maneira a torná-las compatíveis com o novo padrão de financiamento, passando das estimativas dos custos de produção para os cálculos dos custos de cada operação7. 8


1. Uma leitura do processo de transformação da agricultura pode ser vista em GONÇALVES, José S. Agricultura sob a égide do capital financeiro: passo rumo ao aprofundamento do desenvolvimento dos agronegócios. Revista Informações Econômicas 35 (4):7-36, 2005. Para uma visão dessas mudanças na agropecuária paulista, ver GONÇALVES, José S. Dinâmica da agropecuária paulista no contexto das transformações da sua agricultura. Informações Econômicas 35 (12): ):65-98, 2005.
2 Essas idéias sobre as políticas de crédito rural e de preços mínimos foram introduzidas no Brasil na década de 1940 pela obra de Ruy Miller Paiva, sob a denominação de crédito facilitado e de garantia de preços remuneradores. Sobre esse registro histórico, ver GONÇALVES, José S. & VEIGA Fº, Alceu de A. Ruy Miller Paiva, O Pioneiro: suas idéias, seu tempo e seu lugar. Revista Agricultura em São Paulo 43(3):9-34, 1996.
3 Ver por exemplo a apresentação das “estimativas das despesas diretas nas principais culturas do Estado”, o artigo publicado em 1966, de autoria de JUNQUEIRA, Antônio Augusto; YAMAGUISHI, Caio Takagaki e OKAMOTO, Cyro. Custos agrícolas em São Paulo; Safras 1964/65 e 1965/66- algodão, amendoim, cana de açúcar, feijão, mamona, mandioca, milho, soja e trigo. Agricultura em São Paulo 13(5,6): 25-44, maio e junho de 1966.
4. Esse trabalho, que se tornou um clássico pelas inúmeras citações e pela utilização enquanto referência na aplicação das teorias de custos agropecuários, está sintetizado no artigo de MATSUNAGA, Minoru et al Metodologia de custos de produção utilizada pela IEA. Agricultura em São Paulo 23(1):123-140, 1976.
5Essa nova configuração da agricultura como teias de agronegócios aproxima cada empreendimento progressivamente da concepção de firma como nexo de contratos, tal como concebida por COASE, R.H. The nature of the firm. Econômica 4:386-405. 1937. Sobre o novo padrão de financiamento da agricultura brasileira, ver GONÇALVES, José S. et al Novos títulos financeiros do agronegócio e o novo padrão do financiamento setorial. Revista Informações Econômicas 35 (7):63-90, 2005.
6 Essa situação vigente no mercado de sementes vem alijando o material genético público de lavouras em que era amplamente hegemônico, de forma quase incontestável, nas décadas de 1970 e 1980. Mesmo que os desempenhos produtivos desse material público possam ser superiores aos dos das empresas multinacionais de sementes, os genótipos produzidos pela pesquisa pública, se não multiplicados mediante franquias por empresas de sementes com capacidade de “vender financiamento” aos agropecuaristas, acabam por serem pouco representativos quando mensuradas suas participações em termos de área plantada. Quanto mais esse padrão se aprofunda nas commodities, mais isso se torna concreto, exigindo que sejam repensadas as estruturas legais e as estratégias de colocação de produtos pela pesquisa pública.
7 Isso deve ser feito com maior amplitude, incluindo mecanismos cada vez mais fundamentais para a agropecuária de commodities como a venda antecipada e a colocação de derivativos em bolsas de mercadorias, pela existência de taxas de juros embutidas em função dos diferentes deságios aplicados de preços presentes da época de plantio na fixação dos preços na época da colheita realizados nesses contratos.
8 Artigo registrado no CCTC-IEA sob número HP-24/2006.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Títulos agropecuários crescem mais de 400%

A emissão de títulos agropecuários atingiu R$ 3,4 bilhões até janeiro deste ano, segundo levantamento exclusivo obtido pelo jornal "Gazeta Mercantil". Em dois anos de operação, os papéis - que servem para financiar o agronegócio - superaram o primeiro título do setor, a Cédula de Produto Rural (CPR), criada em 1994, que demorou seis anos para somar o seu primeiro bilhão. Apenas a partir de junho do ano passado, a emissão cresceu mais de 400%, somando R$ 2,7 bilhões.
Considerando somente os dados do segundo semestre, os títulos responderam por cerca de 2% do financiamento da safra 2006/07. A expectativa do governo é que a emissão possa superar a meta de R$ 6 bilhões até o final deste ano. A emissão e a negociação desses títulos ocorrem na esfera privada. Cabe ao governo apenas regulamentar para dar garantias ao processo.
"Do jeito que está indo é possível que supere este número", afirma Edilson Guimarães, secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Em sua avaliação, diversos fatores determinaram este "boom" dos papéis a partir do segundo semestre. Entre eles, o maior conhecimento e a maior aceitação dos títulos.
Segundo ele, houve uma entrada maior de bancos neste mercado. "Os títulos são um ótimo negócio para o mercado financeiro", diz Renato Buranello, sócio do Buranello & Passos Advogados, escritório que sozinho construiu a operação de cerca de US$ 400 milhões em títulos. Para ele, outro fator determinante é também a "percepção de que o risco agrícola hoje é melhor compreendido". O secretário acrescenta ainda o custo menor do financiamento via títulos agrícolas. Segundo ele, dependendo do papel pode haver uma redução em relação às taxas de mercado de até três pontos percentuais.
Segundo o levantamento, soja, milho e café lideram as emissões. Com destaque para o milho, cujo volume era ínfimo no primeiro semestre do ano passado. Dos 516 contratos registrados até maio de 2006 - que somavam R$ 654 milhões - 156 eram de café (R$ 100 milhões). Agora, R$ 580 milhões foram de títulos de soja, R$ 507 milhões de milho e R$506 milhões de café. (Gazeta Mercantil)

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Agronegócio no Combate à Miséria no Brasil

O estudo entabulado por João Guilherme Sabino Ometto, confirma que o que muitas organizações e movimentos sociais negam, o agronegócio brasileiro em ascensão é uma fonte de geração de renda para a parcela mais desfavorecida da população.
O novíssimo estudo “Objetivos do Milênio - o avanço no direito à saúde na América Latina e no Caribe” faz uma análise positiva para o Brasil, apontado como um dos únicos países da região em que a queda dos índices de miséria nos últimos anos está ligada ao aumento do rendimento dos mais pobres. Nas demais nações, excluindo o Chile e as áreas urbanas do Equador, o progresso no combate à extrema pobreza deveu-se notadamente a programas de transferência de renda e outras formas de benefício social.
O cruzamento dos dados contidos nesse relatório da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal) com estatísticas do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho torna ainda mais evidente a relação entre o crescimento da renda dos brasileiros pobres e a geração de empregos. Nos quatro primeiros meses de 2008, criaram-se no País 848.962 postos de trabalho com carteira assinada. Este volume, em relação ao acumulado no primeiro quadrimestre de 2007, significa crescimento de 21%, conforme se divulgou na imprensa. Nos últimos 12 meses, o nível de emprego formal cresceu 6,29%, o equivalente à criação de 1.764.735 novos postos.
É interessante notar que, segundo o próprio Ministério do Trabalho, um dos fatores que contribuíram para o bom resultado foi a performance sazonal da cadeia produtiva da agroindústria. O setor agrícola, aliás, foi o que apresentou o maior nível de expansão no volume de empregos em abril, na comparação com março, com incremento de 2,5%. As estatísticas são condizentes com o papel desempenhado pelo setor na economia e no mercado de trabalho: sabe-se que o agronegócio gera um emprego para cada três no Brasil, sendo responsável por aproximadamente 37% da mão-de-obra empregada.
Avaliar os dados do Caged permite vislumbrar como o agronegócio pode melhorar a distribuição de renda e promover a inclusão de mais pessoas nos benefícios da economia. Além desse importante fator social, a produção agropecuária precisa ser cada vez mais estimulada, de modo a se aumentar a oferta de alimentos, dentre outros produtos. A produção maior é essencial para tornar viável a reversão do único risco apontado pela Cepal de retrocesso na tendência de diminuição da pobreza: a alta do preço da comida. Esta seria, a rigor, a única barreira capaz de impedir que a América Latina e o Caribe atinjam a meta de reduzir pela metade, entre 1990 e 2015, a proporção de miseráveis. Por isto, o relatório sugere que os países criem políticas públicas eficientes para atenuar esses efeitos. As medidas poderiam incluir ações que diminuam os preços ou as altas dos preços dos alimentos nos mercados internos e redução de tarifas e impostos sobre o seu consumo.
Sábia recomendação no que concerne à redução dos impostos! Devemos, assim, tratar de a encampar, fortalecendo ainda mais o agronegócio brasileiro, que tem sido eficaz pela tenacidade, profissionalismo e tecnologia agregada do setor, a despeito das dificuldades para se produzir neste País, a começar pelos altos juros dos financiamentos e precariedade da infra-estrutura de transportes e armazenamento. O que se perde na deficiência logística já teria certo impacto na oferta e nos preços dos produtos.
O agronegócio, tanto na geração de empregos e renda, quanto na produção de gêneros alimentícios, é o caminho concreto e real para o combate à miséria no Brasil, na América Latina e em todo o mundo. A atividade já tem quebrado todos os recordes, incluindo a próxima safra de grãos, que deverá contribuir muito para conter a majoração dos preços daqueles produtos, pelo menos no mercado interno.
Dessa maneira, ao superar os seus gargalos, o setor consolidará o País como exportador de alimentos e biocombustíveis, a preços sempre competitivos, apesar dos subsídios europeus e norte-americanos e da tentativa sub-reptícia de se imputar ao etanol nacional uma culpa que ele não tem nesse episódio de inflação da cesta básica mundial. Ao contrário do que alguns parecem desejar, na fértil terra brasileira germinará a solução para impedir que a miséria, a desnutrição e a fome, como teme a Cepal, sejam os algozes da saúde e da cidadania neste século.
João Guilherme Sabino Ometto é engenheiro, vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e presidente do Grupo São Martinho.